Dez anos depois



O quarteirão vazio em meio a tantos prédios tornava impossível esquecer a lacuna na paisagem do sul de Manhattan. Onde as Torres Gêmeas do World Trade Center se impunham, com seus 110 andares, acumulavam-se entulho e dor. Não mais. Dez anos depois da destruição do símbolo da pujança americana, emerge dali um novo arranha-céu. Ainda com 80 andares, a construção ultrapassará as torres originais. Quando ficar pronto, em 2013, o One World Trade Center será o prédio mais alto dos Estados Unidos, com 541 metros. A seu lado, quatro novas torres. Nessa obra, está refletido o sentimento nova-iorquino ao fim da década. Embora o pior ataque terrorista de todos os tempos tenha deixado marcas indeléveis na história da cidade, do país e do mundo (leia a reportagem O dia que não terminou), eles não olham para trás. A melhor imagem para ilustrar seu sentimento são as duas fontes iluminadas com cascatas d’água, que serão inauguradas no próximo dia 11 no exato local onde estavam as Torres Gêmeas. O memorial terá parapeitos de bronze com os 2.977 nomes de homens, mulheres e crianças que perderam a vida em Nova York, na Virgínia e na Pensilvânia – além das seis vítimas do ataque à bomba contra o WTC em 1993. Como a água escoando, esvai-se o legado sombrio do medo deixado pelo terror. Como os nomes inscritos no bronze, resta a memória – e a certeza de que, sem ela, é impossível construir o futuro.

A Nova York jovem tem a dimensão do que ocorreu dez anos atrás. Mas chegou à fase adulta sem ter os atentados como referência de vida. Filha de pai brasileiro, a nova-iorquina Alessandra Bifulco, de 20 anos, é um exemplo dessa nova geração. Quando a Torre Norte virou cinzas naquela manhã de terça-feira, Alessandra estava na escola, em Long Island, região metropolitana de Nova York. Pouco depois do início das aulas, os professores interromperam tudo o que estavam fazendo para acompanhar os eventos pela televisão. Sua mãe, Valerie, já sabia o que ocorrera antes de as emissoras transmitirem ao vivo, pois sua melhor amiga era casada com um bombeiro que ajudou no resgate às vítimas do atentado. No carro, no caminho da escola da filha até sua casa, Valerie manteve-se em silêncio. “Acho que ela não sabia como contar para mim”, diz Alessandra. Em casa, ela acompanhou a queda da Torre Sul, 29 minutos depois da primeira. “Todos nós choramos muito.” Apesar de ter passado quase o dia todo com os olhos grudados na tela, a jovem teve uma ideia melhor do significado daquelas imagens muito tempo depois. “Acho que entendi mesmo quando tinha uns 15 anos”, diz Alessandra. “Fiquei muito sentida naquele dia, mas não tinha capacidade de dimensionar aquilo tudo.”

Mesmo ciente da grandeza do evento que testemunhou, ela demonstra não se preocupar com o passado nem com uma eventual repetição daqueles dias de sofrimento. Quase no fim do curso de relações públicas da Universidade de Rhode Island, Alessandra trabalha como promotora de eventos e adora sair à noite com as amigas. Nessas ocasiões, diz ela, não há muito espaço para falar sobre o 11 de setembro. “Não é porque há algum tipo de tabu entre nós. Simplesmente, não nos causa preocupação. Conversamos sobre qualquer outra coisa”, afirma a jovem.

Tal desprendimento pode surpreender quem tenta compreender de longe o que é viver numa cidade ainda marcada por um ato bárbaro de terrorismo. Mas Alessandra sente Nova York “muito mais segura” do que há dez anos. Basta circular por parques, praças e estações de metrô para entender esse sentimento. Às vésperas do aniversário dos ataques, é impossível caminhar por qualquer ponto de Manhattan sem cruzar com um policial. Não é raro ver pessoas serem abordadas por algum oficial sem razão aparente. Chama a atenção também a presença dos veículos de “resposta rápida”, prontos para situações emergenciais, e de homens do esquadrão antiterror. A vigilância ostensiva parece não trazer tensão ou incômodo à população, mas uma sensação de segurança e tranquilidade.

A confiança no poder de mobilização da cidade ante alguma nova tentativa de agressão está nas palavras de Julia Park, de 25 anos, funcionária do fundo de investimentos Oppenheimer. “Eu me sinto muito segura aqui. Você sabe que eles (os policiais) estão fazendo o melhor. Nunca se sabe se poderá acontecer algo ruim outra vez, mas não seria por isso que deixaria de morar em Nova York”, afirma Julia. Assim como Alessandra, ela estudava na hora em que os aviões pilotados por suicidas desencadearam as cenas que abalaram o mundo. Julia vivia na Pensilvânia, Estado onde caiu o Boeing 757 sequestrado para se chocar contra o Capitólio, em Washington, mas impedido de completar a missão depois que os passageiros lutaram com os terroristas para tirá-los do comando da aeronave. “Meus amigos e eu ficamos muito confusos sobre tudo o que estava acontecendo. Estava tudo ali, em frente aos nossos olhos, na televisão. Foi terrível.” Três anos depois, ela foi estudar na New York University. Apesar da memória do 11 de setembro, ficou entusiasmada com a possibilidade de fazer parte da vida nova-iorquina. “O que aconteceu no World Trade Center nunca foi relevante para mim no momento de escolher a cidade onde eu iria morar.”

Mesmo para moradores que já estão em uma etapa diferente da vida, com outro tipo de responsabilidade, o risco do terror está ausente do cotidiano. “Viajar de avião ficou mais restrito, e a polícia revista bolsas com frequência nas estações de ônibus, trens e metrô. Mas não reclamo. São raríssimos os momentos em que penso que minhas filhas podem estar expostas a algum tipo de risco”, afirma o analista financeiro Michael Brown, de 40 anos. Para ele, Nova York nunca esteve tão bem vigiada. Casado e pai de três meninas pequenas, de 6, 4 e 2 anos, Brown diz que “o 11 de setembro foi sendo esquecido pelas pessoas no dia a dia”. Um ano depois do ataque, uma pesquisa do Instituto Gallup mostrou que 75% dos americanos administravam a vida exatamente como faziam antes da queda das torres. Em agosto de 2006, segundo um levantamento do jornal The Washington Post, 30% já não sabiam mais dizer o ano em que o atentado acontecera.

Dez anos depois, o comportamento de boa parte dos nova-iorquinos diante do que passaram naquela manhã de setembro é compreensível, diz o psicólogo Michael Lindell, diretor do Centro de Recuperação e Redução de Riscos da Universidade do Texas. “Para a maioria das pessoas, é uma reação normal voltar a sua rotina sem problemas depois de seis meses de um evento traumático, mesmo que seja algo como o 11 de setembro”, afirma Lindell. “Mas é evidente que quem perdeu parentes ou viu cenas muito fortes da tragédia demora mais para superar.” Segundo dados dos três programas de saúde da prefeitura de Nova York dirigidos às vítimas dos ataques, pelo menos 10 mil bombeiros, policiais e civis expostos diretamente aos eventos no World Trade Center apresentaram algum quadro de transtorno de estresse pós-traumático. Muitos ainda não se recuperaram. Não conseguem dormir direito, têm dificuldade de concentração, reagem de forma exagerada a alarmes ou ruídos altos e evitam tudo o que lhes faça lembrar a tragédia.

http://revistaepoca.globo.com/Mundo/noticia/2011/09/dez-anos-depois-trecho.html

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