Michel Jackson: Peão do pop


Na noite de 16 de maio de 1983, 3 mil celebridades norte-americanas lotaram um teatro em Los Angeles para assistir a uma apresentação comemorativa dos 25 anos da gravadora Motown. De suas casas, 50 milhões de norte-americanos acompanharam pela TV a apresentação dos vários artistas negros até que Michael Jackson se viu sozinho no palco. Ele começou a cantar “Billie Jean”, sucesso do álbum que havia lançado seis meses antes. De repente, Jackson parou de cantar, andou até o canto esquerdo do palco e voltou... deslizando de costas. A cena, que ficou gravada para a posteridade, é impressionante: são 3 mil queixos caídos.

Naquela noite, mais do que mostrar pela primeira vez o passo que batizou como moonwalk (algo como “andando na Lua”), Michael Jackson foi dormir consagrado como nada menos que o Rei do Pop. “Foi aquele momento que cristalizou o status de celebridade de Michael Jackson”, cravou a prestigiada revista americana Rolling Stone. “Moonwalk, no mundo do entretenimento, só é comparável ao andar de vagabundo de Chaplin, à seqüência de Gene Kelly em Dançando na Chuva e aos passos de Fred Astaire no filme Núpcias Reais”, compara o jornalista britânico Nick Bishop em Freak (“Esquisito”, inédito no Brasil), uma das várias biografias não autorizadas do cantor. Pois depois daquela apresentação, tanto Fred Astaire quanto Gene Kelly foram atrás de Jackson para parabenizá-lo. “Kelly veio à minha casa. Depois, ensinei o passo a Astaire”, conta o astro em sua autobiografia, não por acaso chamada Moonwalk (1988).

Hoje é seguro dizer: 16 de maio de 1983 foi a primeira noite do resto da vida de Michael Jackson. A partir daquele momento, ele nunca mais seria esquecido (mas também não poderia andar sozinho nas ruas), nunca mais deixaria de realizar seus sonhos (mas também passaria a ser ridicularizado por cada um deles), nunca mais deixaria de ser adulado pelos fãs (mas também teria passaporte vip para as manchetes sensacionalistas de todo o mundo). Nunca mais, enfim, teria vida normal. E por isso acabaria se refugiando no único lugar onde poderia ser ele mesmo: a Terra do Nunca, nome em português do rancho Neverland.

Aquela noite é também o ponto de partida para contarmos a história do pop no mundo de hoje: o mundo em que a imagem vale mais do que dezenas de boas músicas. “O termo pop, como o conhecemos hoje, se refere basicamente àquilo que agrada aos jovens e que tem popularidade, ou seja, que gera dinheiro”, disse à Super Ray Browne, teórico de cultura americana que cunhou o termo “cultura pop” há 40 anos. E, já que se falou em dinheiro, nenhum outro artista das últimas décadas gerou tanto quanto Michael Jackson. Estima-se que ele tenha faturado algo em torno de 1 bilhão de dólares em sua carreira, tendo se tornado o artista mais rico do planeta durante vários anos. Com 50 milhões de cópias vendidas no mundo, Thriller é o disco mais vendido de todos os tempos segundo o livro Guinness dos recordes.

O menino nascido em Gary, no estado americano de Indiana, cresceu numa família pobre, tornou-se um astro ainda criança e foi o primeiro negro (ou ex-negro, como queira) a ser considerado o maior artista de sua época. Michael reúne, em sua trajetória única, várias das características que tornam astros figuras sobre-humanas. Mas o que realmente faz com que Michael Jackson seja o exemplo mais bem acabado do ídolo pop atual é, ironicamente, sua queda espetacular: algemado numa delegacia e acusado de embriagar garotos para obter sexo.

Um rei do pop, seja ele quem for, já nasce com seus dias contados. Um rei do pop passa por fases: ele é construído, é idolatrado, torna-se um excêntrico, depois um megalômano e, finalmente, é destruído. São essas cinco etapas que vão mostrar, nas páginas a seguir, como um rei não passa de um mero peão no jogo do mundo pop.

CONSTRUÇÃO

Falar sobre a construção de Michael Jackson não significa dizer que ele seja um artista fabricado. Há casos de sucesso assim, como Britney Spears ou Christina Aguilera. Michael não. “Britney é uma criação da indústria desde o início. Ela não tem nenhum talento especial como cantora ou dançarina. Já Michael teve um começo brilhante”, afirma Larry LeBlanc, editor da Billboard, revista especializada na indústria musical americana. Da mesma forma que LeBlanc, nenhum entre as duas dezenas de especialistas ouvidos nesta reportagem hesita em dizer que Michael Jackson é um dos artistas mais talentosos que a música pop já viu.

A construção de um artista, portanto, é a parte mais positiva de sua carreira: mostra como ele direciona o talento para compor uma obra criativa, inovadora, marcante e culturalmente relevante.

Jackson começou a cantar aos 5 anos de idade, liderando a banda familiar Jackson 5. Gravou uma série de sucessos que, se não eram exatamente inovadores, atendiam perfeitamente à demanda de consumo. Músicas como “Got to Be There”, “Ben” e “ABC” grudam como chiclete e podem ser ouvidas até hoje nas rádios de flashbacks. Entre esse “pequeno Michael” – como era chamado pelas fãs da época – e o Rei do Pop de 1983 há grandes diferenças. E uma delas é o tino comercial. “No começo de sua carreira solo, Michael entregou a biografia do marqueteiro P.T. Barnum a seu agente e disse: ‘Esta será a nossa bíblia. Quero que minha carreira seja o maior show da Terra’”, revelou Bishop em Freak (para saber mais sobre Barnum, leia a seção Quem Foi?, à página 33 desta edição).

Esse segundo Michael Jackson, aquele que provavelmente será lembrado daqui a 100 anos, começou a ser construído em 1979. Foi nesse ano que ele gravou o disco Off the Wall, que, graças a hits como “Don’t Stop till You Get Enough”, vendeu 10 milhões de cópias. E sinalizou que, sozinho, ele poderia ser maior que sua família inteira. Além da vendagem, Jackson faturou o Grammy de melhor cantor de rhythm and blues. Achou pouco. “Ele jurou que seu próximo disco faria com que todos reconhecessem sua genialidade”, registrou a revista Rolling Stone.

E Michael cumpriu a promessa. Thriller, lançado em 1º de dezembro de 1982, é um marco na história da música: além de ouvida e dançada, ela podia ser vista. Pense num sucesso de Michael Jackson daquele disco: “Billie Jean”, “Beat It” e principalmente a música título, “Thriller”. É quase impossível não se lembrar imediatamente dos clipes que as acompanharam. Isso em qualquer lugar do mundo. “O videoclipe criou um artista universal”, diz LeBlanc. De alguma forma, aos 25 anos, Jackson captou a profunda mudança que aconteceria na divulgação da cultura pop. E se antecipou a ela.

Quando Thriller foi lançado, a MTV existia havia um ano e meio e não dava pelota para a música negra. Negros até apareciam na tela, mas só os que fizessem o que os executivos consideravam rock branco. Tina Turner e Prince eram vistos de relance na MTV. Artistas de funk ou discoteca, nunca. Em uma histórica reunião, os executivos da emissora decidiram exibir “Billie Jean”, mudando os rumos da carreira de Jackson, da MTV e, não é demais dizer, da cultura americana. O “pequeno Michael” tinha conseguido: sua obra era criativa, inovadora, marcante e culturalmente relevante.

“O objetivo da indústria pop é criar blockbusters: artistas que dominam o mercado por um tempo e que, mais tarde, podem ser substituídos por uma nova marca”, diz Mark Andrejevic, professor de comunicação da Universidade de Iowa e estudioso do fenômeno de reality shows. “Essa lógica fica mais visível quando vemos os programas de televisão atuais que lançam artistas. Ali, as pessoas não estão no ar porque são famosas. Elas são famosas porque estão no ar. E essa fama vai durar o tempo exato que durar sua exibição.” O mesmo pode ser dito de programas brasileiros como Popstars, do SBT, e Big Brother Brasil, da Globo.

Mas por que investir em nulidades quando há verdadeiros talentos batalhando a luz dos holofotes? “Novos talentos podem demorar três ou quatro álbuns para amadurecer. E não há certeza do retorno”, afirma LeBlanc. Andrejevic completa: “A vantagem dos blockbusters fabricados, como Enrique Iglesias ou Hillary Duff, é a redução de riscos. E a fórmula funciona perfeitamente com a audiência jovem, que tende a mudar de gostos rapidamente e pode ser mais bem manipulada”.

IDOLATRIA

Em 1995, Michael Jackson lançou um álbum duplo que trazia seus maiores sucessos intercalados com um punhado de canções inéditas. A turnê foi um sucesso: no início de cada show, Michael pulava no centro do palco e passava vários minutos estático. A multidão reagia como se estivesse diante de um milagre. Os fãs gritavam, descabelavam-se, choravam e desmaiavam. “Ídolos pop atingem um estágio em que acreditam ser invulneráveis. Isso acontece porque recebem níveis de veneração e aclamação próprios do status divino”, diz o sociólogo britânico Chris Rojek, autor do livro Celebrity (“Celebridade”, inédito em português).

“O ídolo pop não pode mudar demais. O que o fã espera a cada novo disco é uma luvinha diferente, uma música um pouco mais rápida ou devagar. Apenas o suficiente para que pareça algo novo feito pelo mesmo. Se mudar demais, pode espantar todo mundo”, afirma André Forastieri, ex-editor da Bizz, a mais importante publicação de música no Brasil da década de 80. A antropóloga Maria Cláudia Coelho, autora do estudo A Experiência da Fama, sugere conceito semelhante: “A fama permite a criação de uma espécie de ‘personagem permanente’”.

Dois anos após o estouro de Thriller, em 1985, o astro tinha conseguido agradar ainda mais o mundo ao capitanear 44 artistas no projeto USA For Africa e compor em parceira com Lionel Richie outro hit (e vídeo) inesquecível: “We Are the World”. A imagem de homem de negócios vitorioso, mas preocupado com os problemas da miséria mundial, acrescentou uma nova faceta que até hoje se apega fortemente à “personagem permanente” de Jackson. “Noventa por cento do meu sentimento por Michael existe porque ele é uma pessoa iluminada. Quando você encontra com ele, percebe isso”, diz Roberta Dias, coordenadora do maior fã-clube do cantor no Brasil, com 5 200 membros cadastrados. Ela esteve pessoalmente com seu ídolo durante as gravações do clipe They don’t Care about Us, em 1996, em uma favela do Rio de Janeiro. “Ele é uma pessoa sem maldade. Michael queria que o mundo fosse um lugar melhor.”

As palavras de Roberta deixam claro que, para o fã, o ídolo não pode ser uma pessoa qualquer, comum, ordinária. “O ídolo precisa ter certas características que o distanciam dos simples mortais. Ele tem que ser alguém com habilidades extraordinárias”, afirma a antropóloga Maria Cláudia. Michael Jackson, ou pelo menos sua imagem, se encaixa como uma luva branca nesse conceito de ídolo portador de habilidades extraordinárias.

Ao seu redor, Michael criou uma corte que lhe dizia todo o tempo o quão talentoso ele era. Ele acreditava estar conquistando o mundo, mas acabou aprisionado pelo sucesso. Agradar aos fãs, deixá-los constantemente abismado com suas performances, ano após ano, é um fardo difícil para o popstar. Michael não se dava conta disso, mas a essa altura deixava de ser ele próprio para agradar a audiência. “O caso de Michael Jackson é um caso limite porque se trata de uma pessoa que, de certo modo, encarnou a fama em seu próprio corpo”, diz o antropólogo Roberto da Matta. “Na medida em que ficava famoso, ele ia se transformando e perdendo aquilo que tipifica as pessoas comuns que, precisamente por serem comuns, não podem mudar de cor ou de sexo.” Mudanças de cor? Encarnar a fama no próprio corpo? Estamos entrando no fabuloso reino das esquisitices e excentricidades.

EXCENTRICIDADE

“Acredito que é basicamente impossível se tornar famoso hoje em dia sem ser excêntrico.” Fosse essa frase dita por qualquer acadêmico ou estudioso de celebridades, seria apenas uma forte opinião. Mas, saída da boca de Ed Needham, a sentença adquire contornos de lei. Afinal, se o editor-chefe da revista Rolling Stone – a mais prestigiada publicação de música dos Estados Unidos, copiada e seguida pela imprensa em todo o mundo – pensa assim, o que pode fazer um pobre artista iniciante?

Para Needham, são essas excentricidades que fazem com que o artista continue a aparecer na mídia, mesmo que não esteja produzindo absolutamente nada. “A vida pública na atualidade acontece na mídia e através dela”, diz o antropólogo José Márcio Barros, doutor em comunicação e cultura pela UFRJ. E mesmo fingir desinteresse é uma forma de chamar a atenção. Foi o que a máquina de marketing de Michael Jackson percebeu logo depois do estouro do álbum Thriller. O agente do astro na época, Frank Dileo, simplesmente o proibiu de dar entrevistas.

“Dileo dizia que ele era pouco interessante nas entrevistas e planejou uma estratégia de publicidade que construiu todo o mistério ao redor de Michael”, diz Richard Wallace, editor-chefe do The Mirror, tablóide britânico especialista em excentricidades de famosos. “Essa estratégia criou uma personagem completamente diferente de nós, um Peter Pan que dormia numa câmara de oxigênio. Muitas dessas histórias eram mentiras, mas elas ajudaram a criar o mito de que Jackson era de outro mundo, de outro planeta.”

Michael passou dez anos sem falar com a imprensa, a partir de 1983. Tudo que se sabia dele era divulgado. E as informações eram freqüentemente pouco normais. “A divulgação dessas excentricidades se dá numa equação interessante: a necessidade delas é inversamente proporcional ao conteúdo artístico daquele ídolo”, afirma José Márcio Barros. Assim, a partir do momento em que a crítica não foi muito generosa com as canções de Bad (1987), a divulgação dessas excentricidades adquiriu contornos mais enfáticos.

Jornais e revistas se refestelaram com uma infinidade de absurdos: alguns, quase verdade; outros, pura mentira, como admite Wallace. Foi noticiado, por exemplo, que Michael tentou comprar do Museu Britânico os ossos, roupas e objetos de John Merrick, o infeliz e deformado Homem-Elefante. Que ele tem uma parte de seu nariz, extirpada nas cirurgias plásticas, depositada em uma jarra em seu banheiro. Que ofereceu 50 mil dólares pelo apêndice recém-removido do papa. Que tem acima de sua cama uma pintura retratando suas seis celebridades preferidas: Mona Lisa, George Washington, Abraham Lincoln, Albert Einstein, ele próprio e ET, o extraterrestre. Que ele mantém dois manequins vestidos de guarda à porta de seu quarto para impedir a entrada de fantasmas. E por aí vai.

O problema com Michael Jackson é que, por mais que ele se esforce, a maioria das pessoas continua não lhe dando crédito. Isso porque ele parece mentir a torto e a direito em coisas óbvias, que estão literalmente na cara. Custa acreditar que só tenha feito duas cirurgias plásticas, como ele clama. Cirurgiões, a partir do estudo de fotografias, já calcularam o número de intervenções em nada menos que 50. Custa acreditar que ele só se tornou branco devido à doença vitiligo. O correto, segundo especialistas, seria tentar recuperar a pigmentação original, ao passo que Jackson teria optado por um tratamento intensivo com hidroquinona, uma substância que, apesar de usada a conta-gotas para tratar manchas de pele, é alvo de polêmica: pequisadores europeus a catalogaram como causadora de câncer em animais.

MEGALOMANIA

Dangerous (“Perigoso”, em inglês) foi lançado em 1992, e seu título se mostraria ironicamente profético. Em setembro de 1993, enquanto Jackson viajava com a turnê mundial de shows, uma acusação apareceu na Justiça americana. O pai de Jordy Chandler, um menino de 13 anos, acusou o astro de agressão sexual. O processo movido por Chandler, entretanto, nunca chegou ao final porque o cantor fez um acordo financeiro com a acusação. Especula-se que a quantia paga tenha chegado a 20 milhões de dólares.

O fato de Jackson não ter enfrentado a acusação, apesar de se declarar inocente, abalou sua carreira. Para o mundo, ficou a impressão de que, por ter dinheiro, ele não precisava seguir a lei. Por ser famoso, podia dar um tapa na cara da Justiça. Por se considerar semideus, poderia fazer o que quisesse, quando quisesse e onde quisesse.

O sociólogo britânico Chris Rojek, autor de uma pesquisa sobre celebridades, vai direto ao ponto: “Por serem venerados e aclamados como são, ídolos pop gradualmente param de sentir a necessidade de obedecer as regras dos homens e mulheres comuns”. O conceito básico para entender como isso acontece é o narcisismo. Narcisista é a pessoa que acredita ser a razão de existência do mundo. Todos passamos por isso. É um momento fundamental de nossas vidas para que tenhamos noção de nós mesmos. Mas isso acontece quando temos entre 3 e 4 anos. Para a maioria, essa fase passa, mas deixa heranças. “E a principal delas é pensar ‘como seria bom se eu voltasse a ser o centro de tudo...’. Passamos a vida inteira administrando esse desejo”, afirma o psicanalista Sergio Wajman, professor de psicologia social da PUC-SP.

Mas como uma pessoa como Michael Jackson vai administrar esse desejo? Uma pessoa adulada sem parar por um séquito de baba-ovos e que tem meios financeiros quase ilimitados de construir um mundo próprio. Com zoológicos, parques de diversões, amigos especiais e contrato de sigilo (qualquer visitante de Neverland é obrigado a assinar um termo em que se compromete a não revelar o que viu, ouviu ou viveu ali dentro). “O narcisismo é um fenômeno no qual o limite não existe. Um narcisista exacerbado não se considera uma pessoa comum. Para ele, vale mais a lei de seu desejo que a lei dos outros”, diz Wajman.

Essa falta de limites que pode parecer normal para os habitantes da Terra do Nunca vira um exagero descabido no mundo real. Assim, Michael Jackson protagoniza com naturalidade cenas dignas de filmes de terror, como quando suspendeu seu filho de poucos meses na sacada de um hotel, à vista de dezenas de fãs e jornalistas; ou comédias dramáticas, como o dia em que foi chamado ao palco do MTV Music Awards para receber uma homenagem e agradeceu, emocionado mas nada surpreso, por um prêmio de Artista do Milênio que só existia em sua cabeça.

Não é de todo ruim ser narcisista na sociedade do espetáculo em que vivemos. Se a celebridade não pirar demais, ficará no reino das excentricidades – em que pode contar com a necessária exposição na mídia – balanceando algumas esquisitices com um trabalho criativo e relevante. É o caso de Madonna, por exemplo. Talvez por não se levar tão a sério, a cantora, atriz e agora escritora soube destruir cada uma de suas imagens para se reinventar para a próxima etapa. “Jackson provavelmente deveria ter dado um passo para trás e ter se concentrado em projetos menores e mais prazerosos. Ele não parece saber como viver quieto e ser um músico sério”, diz Gary Burns, editor da revista Popular Music and Society e autor do verbete “Michael Jackson” da Enciclopédia de Música Popular dos Estados Unidos.

Como sugere Burns, tudo o que acontece com Michael é superlativo. Até acusações de abuso sexual. Hoje, o astro está sendo acusado de molestar sexualmente um outro menino. Uma acusação bastante parecida com a feita pela família Chandler. Mas esse caso não é um simples “cover” do que aconteceu há 11 anos. Dessa vez é diferente.

DESTRUIÇÃO

Para qualquer lado que se olhe, a vida de Michael Jackson está desmoronando. A antes inegável qualidade artística do astro não serve hoje nem aos propósitos mais óbvios da cultura pop: venda de discos. Invincible, seu último álbum de canções inéditas, vendeu 2 milhões de cópias. Seria uma marca vencedora para qualquer artista, mas é uma quantia irrisória para o superlativo Michael. Porque o Rei do Pop não faz um disco como outros artistas. O custo de produção de Invincible alcançou nada menos que 30 milhões de dólares. Para divulgá-lo, a Sony injetou outros 25 milhões. Ora, a 15 dólares o CD (preço médio dos Estados Unidos), o artista precisaria vender o dobro apenas para pagar esses custos diretos.

Sem lucros, Michael Jackson só aumenta as dívidas que vem acumulando há algum tempo. Em fevereiro, o jornal The New York Times noticiou que ele está tendo sérios problemas em estender créditos junto a bancos americanos. Sem crédito, Michael não conseguiu pagar um empréstimo de 70 milhões que venceu na metade do último mês. Seus assessores financeiros afirmaram para o mesmo jornal que ele deve outros 450 milhões a bancos. Resta a opção de vender a sua metade do catálogo dos Beatles, que ele possui em sociedade com a Sony. O dinheiro (900 milhões de dólares pelos direitos de cerca de 250 canções) seria suficiente para o pagamento desses empréstimos. Mas ao Rei não restaria nada.

A situação não é como há 11 anos, quando Michael podia se dar ao luxo de evitar os tribunais e acertar a conta diretamente com a família Chandler. Depois do escândalo de 1993, as leis do estado da Califórnia mudaram. Antes, uma vítima de abuso sexual só prestava depoimento se quisesse. Agora, sob suspeita de crime, todos são obrigados a falar em juízo e as investigações têm que ser levadas a cabo até que os fatos estejam esclarecidos. Desta vez, Michael terá que enfrentar o julgamento. Um julgamento que pode deixá-lo 20 anos na prisão.

“A vida insana de Jackson não passa da incorporação de muitos dos valores mais queridos da sociedade ocidental”, escreveu a psicóloga Ros Coward em sua coluna semanal no jornal inglês The Guardian. Para ela, entender a trajetória de Michael Jackson é fundamental para entendermos o mundo em que vivemos. “Suas transformações corporais são apenas uma manifestação extrema dos comportamentos que se tornam cada vez mais generalizados em nossa cultura. Há cada vez mais jovens determinados a mudar aspectos físicos por meio de cirurgias plásticas”, disse à Super. Essa mudança abrupta do corpo e do próprio rosto, que hoje nos parece tão estranha, pode ser um caminho irreversível. “No Japão, as meninas já fazem cirurgia para deixar os olhos ocidentalizados. Acredito que daqui a 100 anos, quando todo mundo estiver mexendo na própria cara, os sociólogos vão olhar para trás e considerar Michael Jackson um homem à frente de seu tempo”, polemiza o ex-editor da Bizz André Forastieri.

É possível que Michael seja um dos últimos ídolos de uma linhagem esgotada. A indústria do entretenimento acelera processos com uma rapidez inacreditável. Ed Needham, o editor-chefe da Rolling Stone, não acredita que haja hoje tempo, nem dinheiro, para que possamos construir um ídolo com a sua dimensão. Os teóricos concordam. “Astros vão e vem mais rápido do que nunca, mas, como são substituíveis, nem nos damos conta disso”, afirma o professor de comunicação Mark Andrejevic.

Nesse processo cada vez mais inevitável, seria um engano dizer que a mídia é a única vilã. A mídia, ao contrário do que gostamos de imaginar, não é um organismo vivo, com vontades próprias. Ela se guia por você, leitor, pelo que você quer. “Ao se interessar pelo artista, comprar o que se escreve sobre ele, conversar no ônibus sobre o assunto, o fã tem culpa no processo. Ele está todo o tempo dizendo à mídia que aquilo lhe interessa”, afirma a psicóloga social Ana Bock. Como se viu nesta reportagem, é em resposta a seu público que aquele ídolo iniciante irá se construir, ser idolatrado, tornar-se um excêntrico e até um megalômano, se não tiver muito cuidado. Por fim, será destruído. Assim o pop matou seu rei. Com a ajuda de seus próprios fãs.
DOWNJÁ
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