Mais de 200 mil famílias são chefiadas por adolescentes

Relatório mostra que Alagoas e Acre são, hoje, lugares muito ruins para uma criança nascer
O Estado de São Paulo

O Brasil tem 233.908 jovens com menos de 18 anos e com a responsabilidade de chefiar uma família. Os dados, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), foram destacados pelo relatório "Situação da Infância Brasileira 2009", do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), como um exemplo de crianças e adolescentes em situação de extrema vulnerabailidade.

"É um número muito grande de adolescentes que estão assumindo uma responsabilidade, de geração de renda, de perspectiva de futuro, que não é coerente com seu ciclo de vida", avalia Maria de Salete Silva, oficial de projetos de Educação do Unicef e coordenadora do relatório. "É uma situação extremamente preocupante."

A Pnad de 2006 mostrava um número ainda maior, de 254.970 adolescentes nessa situação. Ainda assim, quatro famílias brasileiras em cada mil são chefiadas por adolescentes. Normalmente, famílias desse tipo são fruto de algum problema social que à partida já impõe uma carga de dificuldades extra: são adolescentes que engravidaram antes da hora, que perderam os pais ou foram abandonados, que assumiram a guarda de irmãos mais novos.

"Essa situação ainda traz uma carga que chamamos de multipobreza. Uma pobreza leva à outra e torna mais difícil sair desse ciclo", resume Salete. A situação é mais comum nos Estados do Norte. Em Roraima, Rondônia, Acre, Amazonas e Amapá, mais de 10 em cada mil famílias são chefiadas por adolescentes. No Maranhão, 9 em cada mil. Em números absolutos, são 33.556 em São Paulo, 20.504 na Bahia e 18.675 no Rio de Janeiro.

Desenvolvimento humano

Há dois anos, o Brasil ultrapassou a barreira dos 0,800 no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e entrou para o grupo dos países de alto desenvolvimento. Mas, quando se trata das suas crianças, o País ainda não chegou lá. No Índice de Desenvolvimento Infantil, criado pelo Unicef a média ainda está em 0,733. Criado em 2001, o IDI leva em conta aspectos ligados diretamente ao desenvolvimento das crianças: porcentual de crianças com mães e pais com escolaridade precária; coberturas de vacinação (sarampo e DTP); porcentual de gestantes com cobertura pré-natal adequada; porcentual de crianças matriculadas em creches e pré-escola. Não entra, por exemplo, a renda per capita, que puxou o IDH brasileiro para cima nos últimos anos.

Desde o primeiro cálculo, relativo a 1999, o País teve avanços, passando de 0,609 para os atuais 0,733. Naquele ano, sete Estados ficaram com médias abaixo de 0,500, um índice que aponta baixo desenvolvimento, e nenhum passou dos 0,800. Este ano, nenhum Estado tem menos de 0,500 e três - São Paulo, Santa Catarina e Rio de Janeiro -, ultrapassaram os 0,800.

No entanto, os avanços não conseguem esconder as antigas desigualdades brasileiras. Dez Estados ainda apresentam taxas de mortalidade até 5 anos superiores a 30 por mil nascidos vivos. No Pará, 10,4% das mortes de crianças até um ano são por causas desconhecidas. No Amazonas, 11,7%. Em 21 Estados, inclusive ricos como Minas Gerais, menos de 20% das crianças têm acesso a creches.

Alagoas e Acre, os únicos Estados com índices abaixo de 0,600, são, hoje, lugares muito ruins para uma criança nascer. No estado nordestino a mortalidade infantil chega a 41,3 por mil nascidos vivos. É a maior do País, mais que o dobro da média brasileira e quase quatro vezes a de Santa Catarina. A taxa de mortalidade de crianças até cinco anos chega a 50 por mil, a maior do País. A expectativa de vida é a menor do País, apenas 66,8 anos quando a média nacional é 72,7. Mais surpreendente, o porcentual de crianças vivendo abaixo da linha da pobreza em 2007, 77,2%, é maior que em 1992, quando era de 71,8%.

Acre, com o pior IDI do País, 0,562, ganhou o posto porque tem 93,4% das suas crianças sem acesso a creches e 40% sem pré-escola. No entanto, em todos os outros indicadores tem situação melhor que Alagoas, o que revela uma distorção na ponta de baixo do índice.

Mais investimento

Mais ambiciosa que o próprio Ministério da Educação, a representante do Fundo das Nações Unidas para Infância, Marie-Pierre Poirier, defendeu um investimento na educação que alcance 8% do Produto Interno Bruto. Em 2007, de acordo com os últimos dados disponíveis, o País alcançou 4,7% - sendo menos de um ponto porcentual de investimento federal. "Não é ambicioso. Países como o Japão e a Coreia, que decidiram reverter uma situação desfavorável, chegaram a 10% e deu certo", defendeu Marie-Pierre. "É um passo muito importante e necessário".

O MEC e a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco) acreditam que se deve chegar a 6%. Atualmente, a melhor perspectiva brasileira é alcançar 5% em 2011, com o fim da Desvinculação das Receitas da União, o mecanismo que tira 20% dor orçamento federal da educação todos os anos.

A emenda constitucional está sendo votada no Congresso mas, como o Estado mostrou, não tem a simpatia da equipe econômica, que prefere ver a votação adiada para que passe a vigorar, gradualmente, apenas a partir de 2010.DOWNJÁ
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