O projeto "Criação e Internet", sancionado pelos parlamentares franceses, cria a Hadopi (sigla em francês que significa Alta Autoridade de Difusão de Obras e Proteção dos Direitos na Internet). Na prática, trata-se da primeira agência governamental de controle, fiscalização e combate à pirataria on-line.
A chamada lei Hadopi permite que o governo rastreie todos downloads feitos no país e identifique os usuários que baixam arquivos ilegalmente. Serão emitidas duas advertências por e-mail e uma última por carta registrada, durante um ano.
Caso o internauta persista na infração, será punido com o bloqueio do acesso à rede por um período de dois meses a um ano, sem que a cobrança pelo serviço seja também interrompida.
Porém, há obstáculos técnicos e legais que colocam em dúvida a aplicação da lei Hadopi.
Polêmica
A aprovação da lei era prioridade do governo conservador do presidente Nicolas Sarkozy, que já havia tentado aprová-la no Senado, sem sucesso, em 9 de abril deste ano. Nesta última votação, recebeu 293 votos a favor e 233 contra.
O presidente francês também tem o apoio da indústria de CDs e DVDs, que acumula perdas anuais de até 60%, decorrente da pirataria.
Para o Ministério da Cultura francês, a lei dará agilidade no processo de identificação e punição dos infratores, que hoje só ocorre mediante demorados processos judiciais.
Grupos de defesa dos direitos dos consumidores e da internet, além de partidos de esquerda, se opõe ao projeto. Para eles, os usuários encontrarão formas de burlar a fiscalização eletrônica.
Como rastrear pessoas que usam IPs (Internet Protocol, o endereço do computador) falsos, ou conexões em lan houses ou hotspots (locais de acesso à rede sem fio)? Empresas e usuários domésticos também teriam que reforçar a segurança, para impedir que os computadores sejam invadidos por hackers e, assim, acusados injustamente.
Além disso, a Hadopi contradiz uma decisão do Parlamento Europeu, de 6 de maio deste ano, que impede qualquer represália aos internautas sem o amparo de uma decisão da Justiça. A norma é válida para toda União Europeia, o que coloca a França em desacordo.
Outras questões legais dizem respeito ao direito à privacidade e à liberdade de expressão, que seriam violadas. Afinal de contas, o governo recebeu carta branca para vigiar e punir cidadãos no ambiente digital.
Por este motivo, alguns críticos acreditam que o maior efeito da lei será político. A "espionagem" da internet seria uma forma do governo ter mais controle sobre os meios de comunicação, como já fez com as TVs públicas e com o subsídio à imprensa, que enfrenta grave crise financeira.
Sarkozy também estaria protegendo os interesses de seu amigo Martin Bouygues, dono do grupo TF1, a maior emissora de TV privada da Europa.
Pirate Bay
O endurecimento das ações antipirataria na França é uma tendência atual no continente europeu. É uma tentativa de reverter os prejuízos acumulados na indústria do entretenimento.
O relatório anual da empresa BayTSP, especializada em direitos autorais, aponta que Espanha, Itália e França são os países recordistas em download ilegal, ultrapassando os Estados Unidos e o Reino Unido. O Brasil está em sexto lugar no ranking.
Segundo o relatório, o motivo seriam as leis mais permissivas na Europa, contra condenações mais frequentes ocorridas nos países de língua inglesa.
O primeiro sinal de reação foi a condenação dos responsáveis pelo site "The Pirate Bay", um dos maiores de compartilhamento de arquivos do mundo, pela justiça sueca. A sentença foi proferida no dia 17 de abril em Estocolmo.
Quatro diretores do site foram condenados, cada um, a pena de um ano de prisão por cumplicidade na violação dos direitos autorais, além de multa de R$ 7,6 milhões por danos e prejuízos causados à indústria fonográfica, cinematográfica e de games.
O advogado de defesa de um dos réus pediu anulação do julgamento, sob alegação de parcialidade do juiz Tomas Norstrom. O juiz teria ligações com organizações de proteção dos direitos autorais.
Na Espanha, o programador Pablo Soto, 30 anos, foi processado pela Promusicae (Produtores de Música da Espanha) por desenvolver softwares de troca de arquivos P2P (peer to peer) nacionais, como Manolito, Blubster e Piolet, que rivalizam com os famosos eMule, Kazaa e Napster. A associação pede indenização de R$ 36 milhões.
Portugal, que possui uma das leis mais pesadas contra a pirataria na Europa, também estuda lei semelhante à francesa, numa parceria entre provedores e governo. O motivo, sustentado pelas empresas, é a morosidade dos tribunais. Até hoje, somente uma pessoa foi condenada a pagar multa por pirataria on-line no país, em junho de 2008.
Brasil
No Brasil, existem leis federais e estaduais que penalizam a pessoa que baixar ilegalmente, produzir e comercializar material protegido por copyright. O artigo 184 do Código Penal brasileiro prevê pena de um a três anos de prisão ou multa para o crime de violação de direitos autorais.
Mas faltam tecnologias para rastrear usuários e conseguir provas para uma condenação. Por isso, a Associação Antipirataria Cinema e Música (APCM), em conjunto com as polícias, centra esforços no combate à venda ilegal de CDs e DVDs piratas, no atacado e no varejo.
De acordo com a APCM, em 2008 foram apreendidos 41 milhões de CDs e DVDs no país, um aumento de 14% em relação ao ano anterior.
Reprimir um consumidor assíduo de produtos culturais, no entanto, pode não ser a melhor saída. Matt Mason, autor do livro "The Pirate's Dilemma - How Youth Culture Is Reiventing Capitalism" ("O Dilema do Pirata - Como a Cultura Jovem Está Reinventando o Capitalismo"), disse numa matéria publicada no jornal londrino "The Guardian" que é preciso mudar a estratégia.
Para ele, leis de propriedade intelectual do século 19 e um modelo de negócio do século 20 não se adaptam à complexidade do mercado no século 21. Por isso, ao invés de brigar com os piratas da internet, seria mais vantajoso desenvolver novas formas de comércio e download legal. Se não pode vencê-los, diz o escritor, copie-os.
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