Descriminalizar é o melhor caminho?

Em sua primeira visita oficial ao México, em março deste ano, a secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, admitiu que a política antidrogas dos Estados Unidos não surtiu o efeito esperado. Ou seja, que a estratégia repressiva vem sendo ineficaz para conter o consumo e o avanço da violência e corrupção causadas pelo tráfico internacional de drogas.

No mundo todo, estima-se que 208 milhões de pessoas, ou cerca de 5% da população adulta, usem algum tipo de substância ilícita. A maconha é a droga proibida mais consumida, com 160 milhões de usuários no planeta, segundo dados da ONU (Organização das Nações Unidas).

A indústria do tráfico movimenta aproximadamente US$ 320 bilhões por ano (R$ 700 bilhões, valor superior ao PIB [Produto Interno Bruto] individual de quase 90% dos países). O crime organizado corrompe governos, empresários, juízes e policiais, além de cometer delitos paralelos ao tráfico, como lavagem de dinheiro de contrabando de armas.

Porém, é o custo social das drogas, principalmente na forma de violência urbana em grandes metrópoles como Rio de Janeiro, que mais afeta as pessoas. Nas favelas, por exemplo, os traficantes encontram não somente refúgio, como também mão-de-obra em jovens pobres e sem outras opções de emprego.

Cartéis
Todos estão de acordo a respeito dos danos que os entorpecentes provocam na saúde humana e as mazelas que causam à família e à sociedade. Mas não há consenso sobre como enfrentar o problema.

Os Estados Unidos gastam cerca de US$ 40 bilhões anuais (R$ 87,5 bilhões, três vezes o orçamento da cidade de São Paulo deste ano) no combate ao tráfico de drogas, enquanto a União Européia investe em tratamentos médicos aos usuários e adota uma política mais liberal.

Ambas as estratégias falharam em reduzir o consumo doméstico (são os maiores mercados consumidores do mundo) e a produção em países asiáticos e latino-americanos, bem como em acabar com o tráfico global.

A campanha contra as drogas nos Estados Unidos é um caso exemplar. O país, que responde por metade da cocaína consumida em todo o mundo, investiu bilhões de dólares na Colômbia, maior produtor mundial da droga. Nos anos de 1990, conseguiu desmantelar os cartéis de Medellín e Cáli, que controlavam o cultivo, refino e distribuição do entorpecente. Com isso, transferiu o crime para o México, onde disputas entre cartéis já mataram 6.300 pessoas no ano passado.

Maconha
A Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, que reúne 17 políticos e intelectuais, como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Ernesto Zedillo (México) e César Gaviria (Colômbia) e escritores como o peruano Mario Vargas Llosa e o brasileiro Paulo Coelho, propuseram em fevereiro deste ano uma alternativa ao modelo proibitivo norte-americano. Ele se baseia em três ações:

Considerar o consumo de drogas como um problema de saúde pública, não de polícia.
Reduzir a demanda por meio de campanhas educativas e prevenção.
Voltar os esforços repressivos ao crime organizado, que inclui corrupção e lavagem de dinheiro.

Essas ações incluem uma proposta polêmica de descriminalização da maconha, considerada uma droga com feitos nocivos similares ao tabaco e álcool e menores que os provocados pela cocaína e a heroína, por exemplo.

Hoje, a posse de droga é considerada crime no Brasil. De acordo com a Lei 11.343, de 2006, quem for detido com entorpecente para consumo pessoal está sujeito a penas de prestação de serviços à comunidade ou medida educativa. Já para o trafico são previstas penas de 5 a 15 anos de prisão, que aumentam em casos envolvendo quadrilhas.

Na maioria dos países europeus, no Canadá e na Austrália, o uso de maconha não é considerado crime. Em Portugal, Espanha e Itália, por exemplo, os usuários detidos com pequenas porções podem, no máximo, receber advertências ou pagar multas.

No caso de Portugal, o governo descriminalizou o uso e posse de heroína, cocaína, maconha, LSD (ácido lisérgico) e outras substância ilícitas. O motivo era o alto número de pessoas infectadas e vitimadas pelo vírus HIV (transmitido por meio de seringas contaminadas usadas para drogas injetáveis, como a heroína). Como resultado, o número de mortes por overdose caiu de 400 para 290 ao ano, e o de soropositivos, de 1.400 para 400.

Na Argentina, a Suprema Corte deve julgar em breve a suspensão da lei que proíbe o porte de entorpecentes para uso pessoal. O principal argumento do governo, que defende a medida, é que é muito mais barato para o Estado tratar um dependente do que arcar com os custos de processo judicial e prisão. O país ocupa o terceiro lugar entre os consumidores de cocaína no mundo. No México existe um projeto semelhante, mas a resistência é maior.

Prós e contras
Mas será que descriminalizar é a solução? É importante enfatizar que nem todos que são a favor da descriminalização das drogas defendem a legalização. São duas coisas diferentes.

No primeiro caso, as substâncias ilícitas continuam proibidas, com a diferença de que os usuários deixam de responder a processos criminais, somente quem vende. Já na legalização, não somente o uso como também a produção e a venda passam a ser legalizadas. Neste caso, as drogas seriam taxadas e controladas pelo Estado, em suas especificidades, da mesma forma que ocorre hoje com o tabaco e o álcool.

Nas duas frentes - legalização e descriminalização - a ideia é tornar a droga um problema de saúde pública, deixando de onerar os governos na repressão ao narcotráfico e manutenção de penitenciárias superlotadas.

O principal argumento favorável à legalização é que a proibição alimenta o crime organizado, sem resultados efetivos na redução do consumo. A sugestão é que os recursos sejam direcionados ao tratamento médico dos dependentes e à prevenção por meio de campanhas educativas.

Por outro lado, há dúvidas a respeito da capacidade do governo brasileiro, por exemplo, de criar uma rede de atendimento, principalmente em regiões mais carentes que hoje não dispõem sequer de atendimento médico básico. E vale ressaltar que, apesar de vários países terem aderido à descriminalização (de uma ou mais substâncias), nenhum ainda deu um passo em direção à legalização.

Além disso, opositores da descriminalização argumentam que a liberalização iria tornar drogas como a maconha mais acessível, aumentando a demanda e o número de dependentes, assim como os crimes associados à dependência química, como roubos e homicídios.

O debate continua. A novidade é que, cada vez mais, nações reavaliam suas políticas em busca de melhores resultados.
DOWNJÁ
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