Amazônia, tema constante das manchetes dos jornais a cada vez que se toca no assunto efeito estufa e aquecimento da Terra, ganhou no início de 2007 destaque no horário nobre da TV. A minissérie Amazônia, de Galvez a Chico Mendes, de Glória Perez, exibida pela TV Globo, narrou a história cio estado do Acre e é inspirada nos episódios associados ao eldorado da borracha, no fim do século XIX. Ainda que se abordassem temas do passado, os 54 capítulos da ficção chamaram atenção para uma questão atualíssima: a necessidade de harmonizar a exploração econômica da região com os desafios sociais e ambientais que preocupam o mundo no início do século XXI. A Amazônia atual tem uma cobertura florestal 17% menor que a original - diminuição causada pelas queimadas e pela derrubada descontrolada de árvores. A área da floresta perdida corresponde a mais de três vezes o tamanho do estado de São Paulo
Apesar das dificuldades de acesso e da distância em relação aos grandes centros urbanos do país, a Amazônia tem uma economia pulsante. A região já era vista como terra de fartura desde a chegada dos primeiros colonizadores, nos séculos XVII e XVIII, que se aventuraram na mata desconhecida para estabelecer povoados, ocupar o território e dominar fronteiras isoladas. O apogeu econômico dos seringais se dividiu em dois períodos: o primeiro ciclo da borracha, entre 1877 e 1913, foi impulsionado pelas necessidades de matéria-prima das fábricas européias em plena Revolução Industrial. O segundo ciclo, na década de 1940 do século XX, abasteceu a indústria norte-americana de borracha durante a II Guerra Mundial.
Aventura nos seringais
No fim do século XIX, a exploração dos seringais era lucro certo diante dos interesses do mercado europeu, que desenvolvia tecnologias e precisava da borracha como matéria-prima para impulsionar a Revolução Industrial. Assim, a febre da borracha criou uma aristocracia rural em plena selva, liderada pelos "coronéis" donos de seringais, e fez circular muito dinheiro e mercadoria, transformando cidades, como Manaus, em importantes pólos econômicos e culturais.
A riqueza dos seringais acabou gerando conflitos de fronteira entre Brasil e Bolívia. O atual território do Acre pertencia ao país vizinho, mas foi ocupado por seringueiros brasileiros. Após anos de disputa, a Bolívia aceitou uma indenização em troca da área. O acordo entre as duas nações, costurado pelo diplomata barão do Rio Branco, foi selado no Tratado de Petrópolis, de 17 de novembro de 1903, e deu ao Brasil o controle sobre as florestas do Acre.
Os seringais da Amazônia entraram em declínio depois que a Ásia recebeu mudas da árvore e se tornou um forte concorrente no mercado mundial da borracha. E a produção brasileira só voltou a florescer na década de 1940, no segundo ciclo da borracha, quando o presidente Getúlio Vargas convocou 55 mil nordestinos a migrar para a floresta Amazônica. Durante a II Guerra Mundial, o governo brasileiro assinou acordos com os Estados Unidos para fornecer matérias-primas estratégicas, entre elas a borracha, em troca de empréstimos para implantar um parque siderúrgico e comprar material bélico. Depois da guerra, a produção de borracha decaiu e os migrantes e seus descendentes foram abandonados na floresta, em condições precárias.
A região voltou a atrair os olhares do mundo quando o líder sindical seringueiro Chico Mendes, que lutava pela implantação de reservas extrativistas, que preservam a mata, foi assassinado, em 1988, no Acre. A região ainda é foco de muita violência. Entre 1994 e 2004, foram registrados 837 conflitos de terra, com 173 assassinatos e 501 ameaças de morte. Em 2005, o mundo se chocou com o assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, em Anapu, no Pará. Dorothy lutava pela demarcação de terras dos pequenos agricultores.
Zona Franca
Depois dos áureos tempos dos seringais, a economia da Amazônia ganhou novo fôlego quando Manaus se transformou em pólo industrial. A instalação de indústrias de informática, automóveis e eletroeletrônicos foi incentivada pela criação, há 40 anos, da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa), que atraiu investimentos mediante a oferta de incentivos fiscais e isenção de impostos e taxas alfandegárias. O objetivo era romper o isolamento econômico da região após o ciclo da borracha e marear presença do Brasil na floresta.
Manaus é hoje responsável pela maior parte de televisores, monitores para computador, telefones celulares, DVD-players, relógios, aparelhos de ar condicionado e bicicletas e motocicletas produzidos no país. Lá despontam novas tecnologias no campo da TV digital e da microeletrônica, desenvolvidas em parceria com institutos de tecnologia de renome internacional, como o alemão Fraunhofer IZM e o francês Leti-Minatec. Ao todo, operam na Zona Franca cerca de 500 fábricas de companhias nacionais e multinacionais, que atingiram em 2006 o faturamento recorde de 23 bilhões de dólares e geraram 105 mil postos de trabalho, além de outros 400 mil empregos indiretos.
Estradas Vilãs
Manaus tornou-se, assim, um pólo de atração para trabalhadores do campo. Em 1967, quando a Zona Franca começou a funcionar, a cidade tinha uma população de cerca de 300 mil habitantes. Hoje, com quase 1,7 milhão, é a oitava maior capital do país. E tem o quarto maior Produto Interno Bruto (PIB), segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Esse processo de êxodo da floresta para as cidades de maior porte da Amazônia se intensificou após a implantação de projetos econômicos e a abertura de estradas pelo governo militar, na década de 1960 e, principalmente, na de 1970.
Mas pelas estradas que levam pro¬gresso trafega também a destruição. As rodovias atuam como espinha dorsal para a chegada à floresta de populações vindas de outras regiões do país e para a abertura - oficial ou clandestina - de vias de acesso secundárias, que permitem a ocupação irregular de áreas públicas por grileiros, como são chamados os que fraudam documentos de posse de terras. Eles descobrem onde há terras públicas disponíveis e se apossam delas. Desmatam a área e derrubam árvores nobres para vender a valiosa madeira. E assim se inicia o círculo vicioso: após a ação dos madeireiros, o local é queimado e convertido em plantações e, depois, em pastagens. Quando a terra se torna pobre e degradada, é abandonada. Os grileiros se mudam c abrem outras áreas para exploração. A Amazônia tem 200 mil quilômetros quadrados de terras degradadas - o que equivale ao tamanho do estado do Paraná.
Para o Instituto de Pesquisa Espacial (Inpe), entre 2004 e 2006, a Amazônia perdeu 31,3 mil quilômetros quadrados de floresta - uma área maior que a da Jamaica (veja o gráfico abaixo). E um número alto. Mas 30% menor que o des-matamento registrado no período anterior, entre 2003 e 2004. E a previsão para o período 2005 e 2006 é de queda maior.
Estudos do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e da Universidade da Flórida mostram que o destino da floresta Amazônica está cada vez mais ligado às variações cambiais e ao mercado mundial de commodities, como a soja, o gado e a madeira. Para os pesquisadores, a queda no desmatamento está ligada à valorização do real ante ao dólar, que tem inibido o setor de agronegócios ao frear as exportações e a expansão da pecuária. Ainda que de menor impacto e de efeitos mais a longo prazo, outros fatores que ajudam a reduzir a destruição são a adoção de políticas de desenvolvimento sustentável - ou seja, atividades econômicas que preservam o meio ambiente - e a maior fiscalização por parte do governo.
Rica Biodiversidade
A floresta Amazônica não é uma região vazia e desabitada. Lá vivem cerca de 20 milhões de habitantes, que precisam de alternativas de renda que não sejam nocivas à mata. Desde que o termo desenvolvimento sustentável começou a entrar na moda, há poucos anos, surgiram novas propostas de mudança de rumo na economia da Amazônia. A região tem a maior diversidade biológica do planeta abriga entre 15% e 20% de todas as espécies animais e vegetais conhecidas. Ninguém contesta o potencial da biodiversidade como matéria-prima para remédios e fonte de alimentos, madeira e outros produtos. O desafio é encontrar uma maneira de aumentar o valor econômico da floresta mantida em pé e transformar em bom negócio a exploração controlada dos produtos florestais - um negócio forte o suficiente para que a vegetação seja poupada em nome do lucro que assim pode proporcionar.
Por ora, a floresta é muito mais rentável se for derrubada para a implantação de pastos e lavouras e para o corte ilegal de madeira do que se for preservada para o desenvolvimento de negócios de extrativismo, ecoturismo ou exploração sustentável de madeira. A esperança é que o uso econômico por meio de planos de manejo florestal, seguindo regras ambientais que impeçam o aproveitamento predatório das árvores, se torne mais viável e ganhe espaço no Brasil. O próprio mercado pode ser uma força determinante desse movimento. O mundo todo exige, cada vez mais, a garantia ecológica - como o selo verde, que certifica a origem controlada dos produtos. Para promover essas práticas sustentáveis e evitar ações ilegais, o governo federal também toma algumas medidas. Em 2006 foi aprovada a Lei de Gestão de Florestas Públicas. As novas regras criam algumas categorias de reservas florestais abertas à exploração econômica, mediante licitação pública e nas quais as empresas agirão sob a vigilância de órgãos ambientais.
Saiu na imprensa
O Pará tem a maior área desmatada da Amazônia Legal
O Pará é o estado com maior área desmatada na Amazônia Legal brasileira (...), revela estudo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Dos dez municípios com maior desmatamento, seis encontram-se lá: São Félix do Xingu, Paragominas, Marabá, Santana do Araguaia, Cumaru do Norte e Santa Maria das Barreiras.
Segundo o diretor de Geociências do instituto, Guido Gelli, o desmatamento no sul do Estado tem relação direta com o crescimento do processo de ocupação por meio da pecuária extensiva.
"Como é o local mais ocidental na Amazônia, onde começa a Transamazônica (...), é claro que tem a maior área desmatada", disse.
As áreas de maior desflorestamento em termos absolutos no Pará estão localizadas ao longo de rodovias federais como a Transamazônica e o eixo da BR-163, além da PA-150, a leste do Estado (...)
Em 2005, o desmatamento no Pará correspondeu a 5.763 quilômetros quadrados, o segundo mais expressivo da Amazônia Legal. Mato Grosso liderou o desflorestamento com 7.145 quilômetros quadrados desmatados.
Clarice Spitz, Folha de S.Paulo, no Rio, 25/1/2007
Resumo
RECURSOS NATURAIS
A região amazônica já era cobiçada pelo potencial de suas riquezas desde a chegada dos primeiros colonizadores, nos séculos XVII e XVIII. Inicialmente, os habitantes tiravam o sus-tento da pequena agricultura e do extrativismo vegetal. Os ciclos econômicos da borracha deram impulso ao crescimento econômico da região.
ZONA FRANCA
Manaus, a antiga capital da borracha, voltou a florescer na economia após a criação da Zona Franca, há 40 anos, atraindo indústrias por meio de incentivos fiscais e redução de taxas alfandegárias. O projeto se enquadrou na estratégia do governo militar de levar desenvolvimento para a região de fronteira, com o objetivo de garantir a ocupação territorial e a soberania nacional.
ESTRADAS E DESTRUIÇÃO
O êxodo da floresta para as cidades foi impulsionado pela abertura de estradas, que também levaram para a Amazônia grandes levas de colonos provenientes de outras regiões. As rodovias abrem caminho para a ação dos grileiros, que tomam posse de terras públicas para desmatar. Atrás deles chegam os madeireiros e depois os agricultores e pecuaristas, que derrubam a floresta. A mata cobre uma área, hoje, 17% menor do que a original - o equivalente a mais de três vezes o tamanho do estado de São Paulo. Somente entre 2004 e 2006, o desmatamento atingiu uma área equivalente à da Jamaica.
DESAFIO ATUAL
É aumentar o valor econômico da floresta mantida de pé, aproveitando o grande potencial da biodiversidade. A exploração sustentável de madeira, que segue critérios ambientais, começa a crescer. A Amazônia poderá ser compensada economicamente pelos benefícios ambientais que fornece ao planeta. Ao abrigar um terço das florestas tropicais do mundo, a região é chave para o equilíbrio do clima global. O desmatamento promove a emissão de gases do efeito estufa, aumentando a temperatura da Terra.
Fonte: Almanaque Abril (Atualidades Vestibulares, Ed. Abril, 2007)
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