País negocia saída para impasse político

O fim da crise política em Honduras depende de um acordo que prevê, dentre outras questões, a devolução do cargo de presidente a Manuel Zelaya e a realização das eleições presidenciais marcadas para 29 de novembro de 2009. Porém, as negociações ocorridas na quarta-feira, 7 de outubro de 2009, esbarraram na intransigência do presidente de facto, Roberto Micheletti, que não aceita o retorno do rival à Presidência. OBrasil abriga o presidente deposto há quase 20 dias na embaixada. Direto ao ponto: Ficha-resumo)

Enquanto os dois "presidentes" trocam acusações, a situação econômica de
Hondurasse agrava, em mais de 100 dias de instabilidade política. As fronteiras foram fechadas e estima-se que o Produto Interno Bruto (PIB) tenha se reduzido em 3%, por conta de prejuízos nas exportações e no mercado interno.

Com os abalos nas finanças, veio também o desgaste político. Tanto o setor empresarial, que apoia Micheletti, quanto os produtores rurais, alinhados a Zelaya, sofreram perdas e pressionam para que o país retorne à normalidade.

Golpe de Estado

Honduras é o segundo país mais pobre da América Central, com população de 7,79 milhões de habitantes, economia baseada na agricultura (os principais produtos de exportação são café e banana) e dependente comercialmente dosEstados Unidos. O país ficou 25 anos sob regime militar e, nos anos 1980, abrigou uma base de treinamento americana contra as guerrilhas comunistas da Nicarágua, país vizinho.

Zelaya foi eleito em 2005 por uma coalizão partidária de centro-direita. Durante o mandato, se aproximou do presidente venezuelano
Hugo Chávez e seu governo de esquerda. Com isso, perdeu apoio no Congresso, das elites hondurenhas que o elegeram e de Washington.

Em 2009, Zelaya tentou fazer um
plebiscito para convocar uma Assembleia Constituinte. Segundo o governo de facto, o objetivo seria mudar uma cláusula pétrea (que não pode ser alterada) da Constituição, que impede a reeleição presidencial, possibilitando que ele concorresse novamente à Presidência.

Em 28 de junho, dia em que Zelaya faria a consulta popular à revelia, a Corte Suprema do país decretou a prisão do presidente. Ele foi detido de manhã em sua casa e, ainda de pijamas, deportado para a
Costa Rica e impedido de voltar a Honduras, sob o risco de ser preso.

Micheletti, ex-presidente do Congresso, assumiu o governo. O
golpe foi condenado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Organização dos Estados Americanos (OEA), que não reconhecem o atual governo. Mas quem está com a razão nessa história?

Negociações

O governo de facto de Honduras, com respaldo do Congresso, do Poder Judiciário e das Forças Armadas, argumenta que Zelaya tentou fazer o plebiscito para mudar a Carta Magna e tentar se reeleger, recurso empregado por Hugo Chávez e seus aliados na América do Sul para se perpetuarem no poder.

A Corte Suprema baseou a deposição de Zelaya no artigo 374 da Constituição, que proíbe a reeleição e considera crime de traição quem o viola.

Há, porém, dois problemas nessa decisão: primeiro, Zelaya alega que a consulta popular que faria no dia em que foi expulso era para a realização de um referendo junto com as eleições de 29 de novembro. Na prática, portanto, ainda que a reeleição fosse aprovada por uma Assembleia Constituinte, ele não seria beneficiado, pois já estaria fora da Presidência.

Em segundo lugar - e mais grave -, é que, mesmo se tivesse violado a lei suprema do país, a extradição não poderia ser feita sem um processo legal, no qual o réu teria garantido o direito de defesa.

Por esse motivo, a ação foi considerada um golpe de Estado e repelida por todos os países, que exigiram o retorno de Zelaya ao posto. Como nem Micheletti acatou essa decisão, ponto principal das negociações conduzidas pelo presidente da Costa Rica, Oscar Árias, nem Zelaya abriu mão do referendo, as conversas não avançaram.

Cerco à embaixada

Zelaya fez várias tentativas de entrar em Honduras, chegando a atravessar a fronteira. Em 21 de setembro, ele chegou de surpresa na embaixada brasileira, onde foi recebido como hóspede. O Itamaraty nega até hoje que sabia das intenções e que tenha colaborado com a volta do presidente deposto.

O fato é que a tensão aumentou na capital Tegucigalpa. A embaixada brasileira foi cercada por soldados e policiais. Ocorreram protestos em todo país, contra e a favor do presidente exilado, e confrontos com a polícia.

Micheletti decretou toque de recolher e estado de sítio - uma suspensão temporária de direitos constitucionais dos cidadãos para que a ordem pública seja restaurada. Ele também fechou as fronteiras e emissoras de rádio e TV, além de impedir a entrada de uma delegação da OEA.

O governo de facto também ameaçou invadir a embaixada, o que seria considerado crime gravíssimo, de acordo com a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas. Somente a retirada do
status de missão diplomática pelo governo hondurenho poderia justificar uma invasão.

O governo chegou a dar prazo de 10 dias ao Brasil para que definisse o
statuslegal de Zelaya: se considerado anistiado, não poderia mais dar declarações políticas; ou, na condição de hóspede, deveria ser entregue às autoridades hondurenhas.

Há mais de duas semanas na embaixada, acompanhado por um grupo de 60 simpatizantes, Zelaya incitou protestos e fez da missão um palanque, complicando a posição do Brasil. Na verdade, ao deixar de ser expectador para ser protagonista no país alheio, o governo brasileiro adotou uma diplomacia de alto risco.

Para o Brasil, a intervenção diplomática foi uma forma de aumentar sua influência política na região. Isso só foi possível devido aos Estados Unidos não terem sido mais firmes em condenar o golpe e adotar medidas mais duras, como sanções econômicas. Um dos motivos é que o presidente
Barack Obamaprioriza em política externa a resolução de conflitos no Iraque e Afeganistão, em detrimento das questões que envolvem a América Latina.

Próximos passos

Com o envio de uma missão da OEA a Tegucigalpa para resolver o impasse da crise, Micheletti revogou o decreto de estado de sítio, em vigor desde 26 de setembro de 2009. Ele ainda admitiu, pela primeira vez, que o governo errou na expulsão do presidente e que aceitaria a devolução da Presidência ao oponente.

Durante a primeira rodada do encontro, porém, voltou atrás e não aceitou um dos principais pontos do Acordo de San José: a volta de Zelaya ao cargo. Por outro lado, houve avanços em relação a duas cláusulas: a anistia para ambos os lados e a desistência do presidente deposto em levar adiante o referendo.

Um ponto crítico é que as eleições de 29 de novembro só terão validade perante a comunidade internacional com o presidente no cargo. Para que isso aconteça, o impasse deve ser resolvido logo. Já o governo de facto quer negociar a permanência de Zelaya na embaixada até janeiro.

Direto ao ponto
O fim da crise política em Honduras está sendo negociado pelo presidente deposto Manuel Zelaya e pelo presidente de facto Roberto Micheletti, com mediação de uma comissão da Organização dos Estados Americanos (OEA). Estes são os principais pontos a serem negociados:

Retorno de Zelaya ao poder para realização das eleições presidenciais de 29 de novembro de 2009.
Desistência de Zelaya de fazer um referendo para mudar a Constituição do país.
Anistia a ambos os lados envolvidos.

A primeira rodada de negociações terminou em impasse: Micheletti não aceita a volta do rival ao posto. Enquanto isso, Honduras permanece com as fronteiras fechadas e as exportações em queda.


Embaixada brasileira

A crise foi agravada depois da volta de Zelaya ao país. Ele está abrigado na embaixada brasileira desde 21 de setembro de 2009. O governo de facto ordenou que o Exército cercasse a missão brasileira e decretou estado de sítio.


Antecedentes
Zelaya foi deposto do cargo e exilado na Costa Rica no dia 28 de junho de 2009, depois de ameaçar fazer um referendo para mudar uma cláusula pétrea da Constituição, que impede a reeleição presidencial. O ex-presidente do Congresso, Roberto Micheletti, assumiu a Presidência
.

Saiba mais

  • O Desafio Latino-Americano - coesão social e democracia (Civilização Brasileira): livro organizado por Bernardo Sorj e Danilo Martuccelli, traz artigos de especialistas em América Latina que ajudam a entender melhor o contexto político e cultural da região.
  • Salvador (1986): filme dirigido por Oliver Stone, baseado em fatos reais, que conta a história de um jornalista americano que vai para El Salvador nos anos de 1980 cobrir a guerra contra guerrilhas comunistas.
*José Renato Salatiel é jornalista e professor universitário.
Fonte: UOL
DOWNJÁ
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