As dificuldades da democracia no país dos aiatolás


Após o anúncio da reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad, no último dia 12 de junho, a capital iraniana, Teerã, virou palco dos maiores protestos contra o governo nos últimos 30 anos. As manifestações expuseram a fragilidade da democracia no país controlada pelos aiatolás e uma sociedade dividida entre a tradição e a modernidade.

Na verdade, o
Irã está longe de ser uma democracia. O país é uma república teocrática, em que o poder político e religioso é concentrado na figura do Líder Supremo, o aiatolá Ali Khamenei. É ele quem controla as Forças Armadas, o Poder Judiciário e a imprensa estatal iraniana (radio e TV), além de escolher quem pode concorrer às eleições presidenciais no país.

De 475 candidaturas, apenas quatro foram aprovadas pelo Conselho dos Guardiães, órgão formado por seis clérigos e seis juristas que, na estrutura do poder legislativo iraniano, só está abaixo do Líder Supremo. Todos os candidatos que concorreram são homens e mulçumanos xiitas.

Na disputa eleitoral, o Irã ficou polarizado entre o atual presidente e o "moderado" Mir-Hossein Mousavi, que tem apoio das mulheres, dos estudantes e da classe média reformista do país. Ahmadinejad é considerado radical por negar o
holocausto, defender o fim do Estado judeu e por desafiar o Ocidente com um programa nuclear com fins militares.

Indícios de fraudes

O clima de tranquilidade das campanhas eleitorais, no entanto, deu lugar aos protestos que reuniram centenas de milhares de pessoas nas ruas de Teerã. As manifestações já deixaram sete mortos e dezenas de feridos em confrontos com milícias governistas e a temida Guarda Revolucionária, grupo militar de elite do aiatolá.

As suspeitas de fraudes levaram o Líder Supremo, que raras vezes faz pronunciamentos, a determinar a recontagem parcial de votos e investigação pelo Conselho dos Guardiães. Os oposicionistas, por sua vez, liderados por Mousavi, querem a anulação do pleito.

Segundo analistas, a recontagem de votos dificilmente irá alterar o resultado, ratificando o sentimento, entre os iranianos, de que as eleições não passaram de uma representação teatral, num jogo previamente decidido.

Mas foi a vontade de mudar que levou a um índice recorde de 84% de iranianos que compareceram às urnas (o voto não é obrigatório no país). Ahmadinejad foi reeleito com 24,5 milhões de votos, 62,7%, contra 33,7% de Mousavi. Em 2005, o presidente foi eleito no segundo turno com 14 milhões de votos e comparecimento de pouco mais da metade dos eleitores, 52%.

O que levantou suspeita sobre as eleições presidenciais foi o anúncio da vitória duas horas depois do fechamento das urnas. Em geral, a contagem de mais de 40 milhões de votos em cédulas de papel, escritas à mão, leva até três dias. Além disso, pesquisas apontavam ao menos uma disputa apertada entre os candidatos, não uma vitória do presidente com folgada margem de votos no primeiro turno.

Em represália às manifestações, o Estado mandou prender líderes reformistas, bloqueou a internet e serviços de telefonia móvel, além de fechar universidades, proibir comícios e reuniões e cerceou o trabalho da imprensa estrangeira no país.

Um dos maiores "inimigos" do Estado iraniano são as redes sociais na internet e o microblog Twitter, usados pelos manifestantes para romper a censura da imprensa estatal e o impedimento de jornalistas estrangeiros de cobrirem os protestos de rua na capital.

Revolução da fé

O Irã, com 65,8 milhões de habitantes, é o quinto maior exportador de petróleono mundo, o que desperta interesses de potências como os Estados Unidos. Mas o país mantém relações pouco amistosas com a Casa Branca e de hostilidade com Estados de religião sunita no golfo Pérsico desde a Revolução Iraniana de 1979, que mudou completamente o panorama geopolítico no Oriente Médio.

A revolução, liderada pelo aiatolá Ruhollah Khoemini (1900-1989), depôs o regime monárquico do xá Mohamed Reza Pahlevi, alinhado ao Ocidente, e instituiu a autoridade máxima religiosa. A primeira consequência bélica da tomada de poder foi a guerra contra o
Iraque (1980-1988), governado na época pelo líder sunita Saddam Hussein e que contava com financiamento dos Estados Unidos e de outros países árabes. Os conflitos terminaram com mais de 1 milhão de mortos, a maioria homens adultos.

Mais recentemente, a nação foi alvo de sanções do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (
ONU), pela insistência do governo iraniano em dar continuidade a um programa nuclear que, de acordo com Washington, teria objetivos militares.

O presidente
Barack Obama, porém, tem sido cauteloso em assumir uma postura mais dura em relação às supostas fraudes eleitorais em Teerã, como fizeram França, Reino Unido e Israel. O motivo é que o Irã, que faz fronteira com Iraque e Afeganistão, é também uma questão de estratégia política para o pacificamento da região, cujas guerras consomem bilhões dos cofres públicos americanos.

Incerteza

O isolamento, somado à recente crise econômica que gerou índice de inflação e desemprego em mais de 20% no país, acirrou o descontentamento das classes urbanas, mais instruídas e não religiosas no Irã, com destaque para mulheres e jovens na campanha pró-reformas. Foram eles que apoiavam o candidato de oposição, Mousavi, mesmo que não fossem esperadas grandes mudanças na condução da política teocrática.

Com a repercussão dos protestos, trava-se nos bastidores uma disputa entre aiatolás pelo comando do país. Na tentativa de manter o controle, o governo pode a qualquer hora reprimir com violência os protestos, o que terá um saldo negativo aos olhos da comunidade internacional. Se, por outro lado, relutar numa resposta rápida ao povo, o crescimento do movimento popular poderá, três décadas depois, desencadear uma nova revolução.

Saiba mais

  • "A Revolução Iraniana" (ed. UNESP), de Osvaldo Coggiola: livro conta como protestos derrubaram ao governo monárquico do xá Mohammed Reza Pahlevi, dando lugar à república mulçumana dos aiatolás.
  • "Persepolis" (2007): animação baseada em uma história em quadrinhos que mostra as mudanças culturais e sociais da Revolução Iraniana sob a perspectiva de uma menina de 8 anos de idade.
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